domingo, 29 de dezembro de 2013

Blue Jasmine mora ao lado

Por Bia Triz

Assisti ao filme Blue Jasmine, de Woody Allen. É a história de uma ex-rica que perde tudo e sofre por continuar ligada a hábitos de uma vida abastada. O mote poderia render uma daquelas comédias caricaturais que são exibidas à exaustão pela Rede Globo. Nas mãos de Allen, rende muito mais. A protagonista, interpretada magistralmente por Cate Blanchett, precisa ir morar com a irmã e se depara com situações indesejáveis. Acostumada a participar de recepções suntuosas, colecionar jóias caríssimas ofertadas pelo marido e a desfilar suas malas Louis Vuitton e bolsas Hermès pelo mundo afora, Jasmine se vê obrigada a dividir espaço com a irmã e dois sobrinhos numa casa modesta, e o mais grave: vai precisar trabalhar para sobreviver. A cada descoberta sobre a realidade que terá de enfrentar na sua nova vida, Cate Blanchett dá um show de interpretação capaz de fazer rir e ao mesmo tempo despertar uma empatia com seu drama. Mas uma das características mais marcantes de Jasmine é a sua capacidade de injetar em sua existência uma boa dose da hipocrisia que rege e sustenta relacionamentos, inclusive o casamento. 



“Ela olha para o lado” é a frase que a irmã usa para definir Jasmine. Finge não saber das amantes do marido, desconhecer os negócios escusos do cônjuge, levar uma vida perfeita. Disfarça, desconversa, faz a egípcia. Socialmente. Na intimidade interroga o companheiro sobre sua infidelidade, chora sozinha no banheiro e sabe muito bem como funciona a fábrica de fazer dinheiro que garante a pujança econômica do casal. As facetas das simulações sociais de Jasmine me fizeram lembrar histórias muito próximas. A vizinha que insistia em dizer que o rapaz que foi morar na casa do primogênito estava lá porque seu filho (dela) tinha um problema de coluna e precisava de ajuda nas tarefas de casa, incapacitado que estava para realizar qualquer esforço devido à hérnia. Será que dona Joana não notava a lânguida cumplicidade entre os rapazes? Nem tinha percebido o quão franzino era o suposto ajudante doméstico para auxiliar seu filho de 1,90m no caso de uma súbita dor nas costas? Fazia a egípcia. Outras tantas histórias reais dessa natureza me vieram à mente à medida que o filme avançava. A do marido de uma colega de faculdade que atribuía à maledicência do povo os rumores sobre a verdadeira agenda noturna de sua esposa. Preferia dar crédito à versão de sua senhora, de que participava de um desses grupos que distribuem sopa para moradores de rua no centro da cidade. Quem assistiu ao sucesso nacional ‘Meu nome não é Johnny’ com a atenção deve ter notado como a mãe do protagonista reage à (desconcertante) pergunta da amiga sobre com o quê mesmo Johnny trabalha para poder lhe presentear com uma joia tão cara. Tudo o que a mãe sabe é que ele “trabalha com vendas”. Nada mais vago. Nada mais conveniente para quem assume que ‘olhar para o lado’ é a melhor estratégia de vida.

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