quarta-feira, 27 de julho de 2011

Trovoada no chuveiro


Não me lembro de ter passado um tempo tão determinada a fazer alguma coisa, e até então, ou talvez, por fim, nunca conseguir.
 
Tenho tentado de todo modo, e apesar do esforço, ainda não obtive resultado algum. Talvez, porque seja coisa não costumeira, ou há tempo desfeita, ou simplesmente, não estejam me deixando fazer. Na verdade tenho vertigens com esta ideia.

O meu enjoo, ao contrário de Álvaro Campos, não é por uma vida interessante, é uma agonia que não deixa a vida passar, que parece desandar, tudo parece se repetir, tudo ficou meio sem graça. Talvez, depois de feita a coisa, eu possa qualificar como interessante, como vida, como movimento, como bom ou ruim, mas agora, não.

Inglês, francês, espanhol, alemão, Escola de Direito, psicanálise, viajar, almoçar, encolher e me esticar, nada, nada, preenche o vazio de fazer, de conseguir fazer. O vazio é pior que o nada. O nada é preexistente, o vazio é resultado.

Fico tão bem prostrada a esta situação, retribuo sorrisos, escolho uma bela roupa, converso sobre todas as outras coisas, realmente me distraio. Chego a esquecer da minha angústia de fazer.

E se hoje eu derramasse a primeira lágrima?  E se eu fizesse realmente o que preciso fazer?

Determinada e moderna tenho que cumprir o senso comum e psicanalítico, vou fazer o que devo, preciso urgentemente chorar. Cumprir etapa, relaxar e depois colher motivos para ser feliz, não é assim o século da auto-ajuda?

Tenho todos os ingredientes para o choro. Cheiros, sons e corpos abafados por um ar quente e sufocante, tudo fica esperando, parece o céu quando forma a tempestade, primeiro o vento que sopra constantemente muda a direção, as cores anis tornam-se plúmbeas, os pássaros e insetos somem, as nuvens pesam e se aproximam, o sol desaparece. Cada elemento sabe o que fazer, ficam todos prontos e posicionados esperando o grande espetáculo. E tudo se desaba em água.

Hoje eu derramo a primeira lágrima. Preciso, é isto que busco, estou determinada.
Percebo que não, estou travada, minha trovoada é seca, as lágrimas não têm como ser liquidadas. A tempestade se forma, mas não deságua, não há enchente, não se forma um rio que as leve do meu íntimo para este mar, mundo que me arrasta à sua corrente, debaixo do chuveiro.  

Bice

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